sábado, 19 de janeiro de 2013

A síndrome do Gol Mil




Por ROBERTO VIEIRA

… o milésimo gol está prestes a se tornar banalidade, mas antigamente era coisa muito séria, seríssima!

Ele marcou o milésimo gol na escola.
Em segredo.
Na pelada do recreio.
Não teve foto, nem festa, nem sorvete de chocolate.
Apenas a sensação do dever cumprido.
Futebol é bola na rede, segundo seu pai.
Embora a barra da escola não tenha rede.
Nem barra.
É apenas um espaço entre dois paralelepípedos no infinito infantil.
Coisa estranha.
Na noite do milésimo gol não dormiu direito.
Sonhou com a palmatória na escola.
Sonhou com o padre e diretor falando do inferno.
Acordou assustado.
Não dormiu mais.
As aulas de matemática e geografia pareceram intermináveis.
Ficava pensando no caderninho na bolsa.
999, 999, 999, 999.
A tampinha de refrigerante caiu no seu kichute direito.
O chute saiu certeiro.
Gol.
Queria correr para os braços do pai.
Sentir o beijo da mãe.
Calou-se.
Escreveu no caderno.
1000, 1000, 1000, 1000.
Segredo particular, particularíssimo.
Ele e Deus na sacristia.
Caminhando pra casa na Conde da Boa Vista, soluçou.
Mas um homem não deve chorar, segundo seu pai.
Nem no dia do seu milésimo gol.

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